Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura… Essa
intimidade perfeita com o silêncio… Resta esse sentimento de infância
subitamente desentranhado de pequenos absurdos, essa capacidade de rir à toa.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza de quem sabe que tudo
já foi como será no vir-a-ser. Resta essa faculdade incoercível de sonhar, de
transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é, e
essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de
esperança. Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto, esse
eterno levantar-se depois de cada queda, essa busca de equilíbrio no fio da
navalha, essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo infantil de
ter pequenas coragens.
(Vinícius de Morais)
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